domingo, 7 de setembro de 2014

CAPÍTULO 1 - O QUE É O AMOR ?

Estranho ver o rosto de Ana hoje, a pobrezinha parece ter tido dor de dente à noite toda. Com olhos mareados e inchados, com o corpo mole e dolorido, ela se levanta e vai direto ao banheiro, onde o chuveiro serve de abrigo e o silêncio de reflexão.

Já são 05h15min e o ônibus já vai passar pela sua porta. Ana se apressa para poder pegar o melhor lugar e assistir ao sol, aos poucos, deixar o mar para iluminar o seu dia. Às 06h20min Ana desce em seu ponto –não tão seu, ficava há 12 quarteirões de seu trabalho, mas ela não se importa, o caminho é florido e as flores lhe fazem sorrir- para ir de encontro ao mundo. Pelo caminho as cores, as flores, os vitrais, os sorrisos... O que mais lhe fazia bem era ver a imensidão que uma pétala esconde por trás de sua majestosa forma.

Ana sorria de quase tudo. Das cores inusitadas das margaridas, das abelhas voando pelo jardim, pelos freios desesperados dos carros, e até mesmo de si. Talvez ela não seja assim tão boba, às vezes ser feliz consigo é a melhor das receitas para respirar o a imensidão do amor. A cada passo espaçado, uma nova descoberta nessa paisagem tão igual e rotineira.
Ana chega então ao seu trabalho e antes de entrar faz a sua prece de todas as manhãs à sua incontestável fé:

- Não me deixes cair, não me deixes desacreditar, pois o que flor pra ser, florescerá.

E assim ela começa o seu dia. Com o radinho a pilha ligado, Ana se imaginava nas músicas. Cantava, e dançava e assim continuava sendo feliz. Quando chegava meio dia, Ana saia correndo pelo corredor para ver o Seu Paulo passar. Paulo era apenas mais um homem comum, que trabalhava de sol a sol em busca do sustento do filho que a esposa deixou para ele cuidar antes de morrer. Paulo, um homem que traz a amargura de viver pelo amor e vê-lo morrer em seus braços, era justamente isso que Ana gostava e esperava em um homem. Paulo sabia a forma exata de como tratar Ana, e Ana amava o jeito de que ele a tratava, deixava toda sua bochecha corada de vergonha, encabulada de paixão e com mais vontade do que já tinha de ir tomar um sorvete de limão- o seu favorito- na sorveteria da esquina.

Mas Ana ainda seguia os conselhos que sua finada mãe- que Deus a tenha- lhe deu quando pequena:

- Homem é igual capim em jardim de rico, tem que podar desde o início antes que cresça e se espalhe por todo o Jardim. Filha minha nasceu para ser rainha e não rapariga na mão de lampião.

Com isso, Ana se sentia na obrigação de ter não um homem, mas um rei ao seu lado, e para ela, Seu Paulo era o rei que sua mãe tanto lhe falava.

Um dia, no mesmo horário, Ana tomou coragem e foi falar com Paulo. Tímida, sem saber o que dizer a jovem moça com seus quase 30 anos, suspirava mais do que falava ao olhar o rosto de Paulo tão perto do seu. Ela só pensava nos jardins coloridos de sua cidade, e como eles ficariam lindos deitados no meio deles, simplesmente olhando para o céu e esperando a chuva de verão molhar suas roupas. Mas quando Ana ia abrir sua boca pra chamar Seu Paulo para um café, Dona Muriel- sua patroa. Não muito boa, mas a única que suportava o jeito delicado e lento de Ana ser-, gritou da janela de casa:

- Ana minha filha, o horário do almoço terminou há 10 minutos. Vai entrar ou prefere que eu te demita para ficar mais a vontade com esse rapaz?

Ana ficou como quem acaba de levar um banho de gelo. Seu semblante mudou e seu tom de voz foi diminuindo junto ao seu olhar, que aos poucos se encontrou fixado nos pés de Paulo. Sem saber o que falar, ela apenas se desculpou e deu as costas para o então homem de sua vida. Paulo não entendeu o motivo da desculpa, e lhe lançou uma frase que Ana guarda até hoje em seu peito:

- Não se deve desculpas a quem se ama. A desculpa só pode ser oferecida quando algo precioso se quebra, e acho que você está colando aquilo que foi quebrado em mim. Boa tarde senhorita Ana, seus olhos são lindos como dois pássaros que voam pelos céus. Até logo.

Ao ouvir isso do seu rei, Ana ficou estática, paralisada, boba e sem acreditar que escutou isso daqueles lábios. Ela então entrou correndo em seu trabalho, trancou a porta do banheiro, sentou no chão e chorou. Mas o choro foi de alívio só de saber que suas preces finalmente foram ouvidas. Depois de ouvir passos no corredor em direção ao banheiro, Ana se levanta e lava o rosto, ainda sem desmanchar aquele sorriso bobo do rosto.

No final do expediente, Ana começa a andar de volta para o caminho de casa, talvez esse seja um dos piores momentos do seu dia. Voltar para seu lar sem sol, sem cores das flores e sem as abelhas por perto, tornava sua noite mais fria e sombria. Até que de repente, ela viu um homem moreno, alto, vendendo balões em forma de coração na pracinha da igreja central da cidade. De longe ela tinha impressão de que já tinha ouvido aquela voz de algum lugar, de perto, a surpresa.

Pela manhã Seu Paulo vendia pamonhas de rua em rua no centro da cidade, a noite, ele esquentava seu coração frio ajudando outros corações a se esquentarem com pequenos gestos de carinho. Para ele isso era mais do que uma caridade, era uma obrigação.

Ana então foi arregalando os olhos e o sorriso, até que chegou perto de Seu Paulo e mais uma vez, com suas bochechas rosadas ela lhe falou:

-Não imaginei que um rapaz tão grande ainda acreditasse no amor.
-Não só acredito como ainda espero revivê-lo. Você não acredita em amor dona Ana?
- Acho que sim... Na realidade nunca vivi o amor, só escuto as pessoas falarem dele. Elas gostam, mas depois odeiam esse tal amor. Porque isso Seu Paulo?
- Ana, o amor só é bom quando o coração pulsa quente e você sente esse calor quando está perto da pessoa. De resto é só apego, só vontade de ter perto pra não perder as mãos nem os freios.

Ana então olha para o céu como quem está pensando no que foi dito:

- Nossa! Como o céu está lindo. Às vezes tenho a impressão que as estrelas querem nos dizer algo. Sou louca né?
- Jamais dona Ana. Em casa eu fico na janela olhando para o céu esperando que elas me mandem respostas, me passem algum sinal. Às vezes dá certo, outras vezes durmo com esperança do Sol me guiar.

Ana então sorri e diz:

- Paulo, eu tenho que ir agora. Tenho que limpar a casa e ainda ajeitar as coisas pro meu dia de amanhã. Mas, se não for muito incomodo, gostaria de tomar um sorvete de limão na sorveteria lá da esquina do trabalho, comigo?

O silêncio pairou no diálogo, e Ana mais uma vez encabulada começou a preparar um pedido de desculpas em sua cabeça, até que Seu Paulo rompe  com um sorriso tímido o silêncio e diz:

- Sabe Ana, durante todo esse tempo esperei para poder ver você de perto. Esperei um momento certo para poder te dizer um simples “Oi”. E hoje, você é quem está me chamando para sair, onde eu que deveria ter tomado a atitude. Será mesmo que sou o homem que você imagina que sou?

Ana então gargalha ligeiramente alto e ao terminar, olha para o rosto de Paulo já sem graça por conta da risada, e lhe direciona uma cantoria:

- De nada vale a paixão sem os quereres de alguém que lhe conduz ao inusitado, ao profano. Talvez o que precisemos mesmo é de atenção, pois aos poucos a coragem nos toma. Amanhã mesmo, a coragem nos levará a tomar um sorvete de limão, e depois disso, a coragem tomará nosso rumo. Ser feliz é o que nos resta!


Rindo estava e rindo se foi. Ana finalmente conseguiu andar pelo muro sem cair e chegou em casa antes mesmo do horário de dormir. Eram novos tempos, tempos de amar e de se eternizar. Restavam dúvidas, mas isso, só no próximo despertar.

Autor: Cristian Schöder

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Monólogo III



Deixa ficar assim, tudo é bom quando se olha para o lado e percebe que a mão está dada com o eterno. Nem sempre rezamos os credos e as orações quando desejamos alcançar o milagre; às vezes ele apenas acontece, apenas aparece.

No insolúvel, a crosta reflete o riso, o brilho, o massivo e o necessário. Tudo sonhado como era de ser realizado. Engraçado como a paleta desenha as notas; como o lápis cria uma memória; como o acaso retrata e tatua a esperança.

No verde encontrei o azul. Não um simples azul, o seu azul. Paradoxalmente, encontrei o que nunca perdi, ou seja, aquilo que nem sabia da existência. De uma forma ou de outra, sou grato, apenas grato.
Grato por me olhar, por me notar, por me viver e saber ser você, nú eu.
Gratidão retomada por cada gesto colocado em mesa, servido em panelas comuns, sem garfos, apenas o seu prato. Degustar da sua beleza e deglutir da tua paixão é uma das profundidades na qual mergulhei, me afoguei e vivi. Transbordado e encharcado de tudo que lhe ronda.

Mão em coxa, olhar em boca. Tudo estalando como um remédio ao sair de sua cartela. Em minha mão, te tomo como um antibiótico, sem prescrição e sem nenhum conhecimento válido.
Nos primórdios eu quis, hoje, eu sou.

Grato, de fato, hoje e eterno... o meu muito obrigado !

Autor: Cristian Schroder

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Monólogo II

O que preciso não é de dinheiro, não é de liberdade, não é de transparência. O que preciso mesmo é de vento, pois às vezes, a vida só precisa de leveza para se tornar mais concreta aos nossos pés. Sei que falho, que ando que respiro as eternidades, mas quem disse que quero que minhas tolas palavras sejam imortais? 

Quero que a leveza as leve para longe, para onde o eco termina com a última vogal. Mas quando o som da última vogal chegar ao fim calar-me-ei para sempre! Se me calarei, minhas palavras de nada adiantam se de nada adiantam, porque insisto em ser, e não em estar?

Não, não quero mais leveza, quero mesmo é liberdade! Mas, se tenho liberdade, porque me escondo através de palavras, metonímias e metáforas compradas? Não, também não quero liberdade, eu quero mesmo é transparência! Não, ser límpido e insípido é muito chato, bom é se travestir de alegorias alheias para dar gosto em viver. Já sei, quero então dinheiro, muito dinheiro. Para que dinheiro, se não tenho bocas para agregar a ele ?

Dilema de vida. Mais complicado que passar por uma casa de chocolate e não comprar um para satisfazer meu desejo de amor interno. Está ai, já sei do que preciso. Amor! Do mais pegajoso, claro e nítido amor. Mas se um dia ele acabar? Ficarei derramando lágrimas por alguém que sorri para um outro alguém que depois derramará lágrimas por um outro alguém que sorriu para outra pessoa, e que essa pessoa de ser eu ? vitimado mais uma vez pelo amor que as lágrimas derramaram por esse riso amarelo e devastador ?

Não sei o que quero, não sei o que espero. Sei que quero viver, sem medo de morrer, de comer, de criar e respirar. Talvez essa seja graça da vida. Satisfazer seus desejos, mesmo sabendo que são eles quem te move.


Autor: Cristian Schroder

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Monólogo I

Vagarosamente o tom da música aumenta, meus passos aumentam, a cortina se abre e meu ato se inicia apenas com um olhar sob a luz que reluz meu texto já desconhecido por meus olhos. A garganta se amarra e minha boca cede... Sede da noite, sede da luz, sede de me transportar para a imensidão dos astros. Quantas luzes existem nesse ano? Quantas vias teu peito flamejado em lácteas derramadas possui?
A lágrima cai, o cenário se choca como um vagão de trem em seu trilho enferrujado. Não entoo canção, não peco pela razão. Ando devagar, sentindo a pressa possuir os meus quereres. Não mais olho para o futuro, sempre ando para trás.
O que sou? O que minha mente se tornou? Meus olhos recaem e tudo de repente fica negro. Negro como um escravo, negro como o meu pé descalço... Não enxergo um palmo à minha frente mesmo sabendo que nunca enxerguei mesmo podendo.
A tristeza me corrói, a angústia me compõe. Com letras de Buarque, meu coração verossímil se acalanta como ladrões se alegram com o luar cada vez mais tardio.
De frente ao espelho, vejo a luz do sol começando a se fragmentar pelo meu corpo. Corpo  que perdi para a lembrança maciça daquilo que era, mesmo sabendo que o passado é apenas uma questão de lembrar, não de juntar os fatos em um só. Minha roupa mentia sobre meu rosto. Meu semblante mentia sobre minha roupa. Eu não passo de uma mentira.
As cicatrizes, todas as fotos, todos esses risos e cartas de amor... Tudo não se passa de uma mentira. Mentiras as quais me lavaram a alma e regaram o meu jardim de ilusões, que sempre esperava em si, um pequeno pássaro para disseminar meus frutos por outros jardins.
Como um cigarro que encurta a cada tragada, meu desejo era de que a morte viesse à galopes, mas à galopes curtos e macios, para que minha íris se pintasse de negro aos poucos. Para que pudesse sentir meu angustiado coração, parasse de bater para sempre.
Sempre... Estado de um instante.
Instante esse que se prende na memória pelo eterno.
 A vida é tão mais bela deste lado, porque não morrer de medo? Porque esse medo de morrer?
Mas isso, só eu poderei saber.


Autor: Cristian Schröder